terça-feira, 25 de novembro de 2008

Filetes

Foto por Claude Bloc




Filetes de água

Singram

Sangram

Escorrem pela face

Em desarmonia

Mais tarde o sorriso

Pousa e descansa

Nos cantos dos lábios

Em águas serenas

E mostra-se a alma

Em olhares perplexos

Em águas profundas

Tu estás...

Eu estou


São as águas da vida

São olhares precisos

Emoções intocadas

Em torrentes de amor

Águas transparentes

Regando os sonhos

Lavando a saudade

Onde vais

Onde vou?



Texto de Claude Bloc


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Voz de Claude Bloc: http://recantodasletras.uol.com.br/audios/poesias/1051

domingo, 23 de novembro de 2008

Deforete



A rua Irineu Pinheiro – no Pimenta - foi palco de minha adolescência. Ali aportei aos 10 anos, recém-chegada da França, onde havia passado um ano na cidade de Arès (perto de Bordeaux) – mas isto é outra história. Minha casa foi batizada com um nome festivo: FrançAlegre. Meu pai, Hubert Bloc Boris, cidadão cratense, ex-maqui na Segunda Grande Guerra, fazia questão de demonstrar seu amor à França dando um nome à sua residência. Expressava, assim, esse sentimento de liberdade e alegria e ao mesmo tempo de uma saudade arraigada e difícil de esconder. Era um homem alegre e inteligente, e tinha a alma de artista. Pintava telas abstratas, escrevia em Português seus discursos do Rotary, tinha muitos amigos que o admiravam... e era um dínamo no âmbito do trabalho.

Dizia ele que seu aprendizado de Latim, quando estudante, o fez assimilar mais rápido o Português que falava com algum sotaque. Era um homem muito afetuoso e não se envergonhava disto. Ai de mim e dos meus irmãos se não lhe aplicássemos um sonoro beijo na bochecha na hora do desjejum... Meu pai, era um homem diferente, sensível, lábil e hábil, que se deixou consumir pela vida tentando compensar-se dos sofrimentos causados pela Guerra, das perdas, e das feridas da alma.

Atrás de um grande homem, uma grande mulher: Janine, minha mãe. Ela viveu no Brasil, mais propriamente, no Crato, desde 1957, quando Dominique minha irmã, teve uma crise de apendicite e foi trazida às pressas da Fazenda Serra Verde até o Crato, num Jipe, por estradas de terra esburacadas e enlamaçadas. Foi operada em caráter emergencial, por Doutor Macário, num dia de tensões enormes. Enfim, este é outro capítulo.

Minha mãe viveu quase que silenciosamente seguindo seu amado em todos os lugares. Era moderna para sua época. Sofrida também pelos maus tratos da Guerra, mas isto não fez dela uma pessoa soturna. Era alegre e sorridente. Mas reservada e de uma gentileza inigualável. Quem a conheceu sabe disso. Mas, os anjos um dia voam de volta ao reino e foi pra lá que eles se foram há algum tempo deixando atrás de si pessoas que os amavam. Era preciso que eu falasse isto, antes de mais nada. Há coisas ditas por aí que me obrigaram a calar o tempo e cabe-me agora fazer-lhes justiça. E o que me faz falar neste momento, não é apenas meu amor filial, mas o dever de mostrar a verdade sobre duas pessoas queridas do Crato.

Mas... agora o assunto é outro. Voltemos à rua Irineu Pinheiro.
A essa época, a rua era nova e terminava pouco adiante de minha casa. Seu Felipe Ribeiro da Silva e Dona Guimar, nossos vizinhos e amigos, na época, venderam a meu pai a casa de número 22 (que depois mudou de número). Ficava (e ainda está lá ) bem em frente do “Grupo Teodorico Telles” (que depois, com as novas denominações, recebeu aquele nome enorme que é um martírio para os pobres aprendentes).

Havia, nesse tempo poucas casas construídas nos dois quarteirões que compunham o núcleo de moradores da rua. Quase em frente ao Seu Felipe moravam Seu Cícero de Holanda Cavalcanti e Dona Marivalda (e uma meninada danada: Gracinha, Glória. Rubens e Renato (gêmeos) Meirinha e Vanda)... Um pouco abaixo, uma vila de casas do mesmo estilo. Cada uma com sua história. E a turma era grande! A começar pela casa de Dona Joaninha e Seu Pedro que gastaram todo o seu Português para batizar os seus rebentos: Evaldo, Erivaldo, Edilton, Ernane, Evanilda (Vanidô), Evaneide, Erivane... parece que havia mais um, mas como era mais velho não estava por lá... Subindo um pouco, a casa de Dona Ana Banca (Ana Moura), mãe de Aparecida e Gilberto... Ao lado, a casa de Marisa Sobreira e Inês (sem esquecer Leni)e seus irmãos: Cícero e Donizeti. Era lá onde havia uma radiadora que derramava som pela rua, além dos recadinhos do coração.

Ah, e finalmente chegamos à casa de Dona Ana Preta (Ana Simões)– que criava Socorro e que não era preta, pois este era apenas o apelido que a distinguia da outra Ana. E o louro? Eita, papagaio gaiato! Gritava o dia inteiro: Socorro! Socorro!).

Era quase em frente à sua casa que se reunia um séqüito de jogadores de peteca (feita por seu Zé Barbosa). Era realmente uma roda grande de vizinhos-amigos que se empenhavam pra não deixar cair a “dita cuja”. Lá de Seu Felipe, vinham: Rita, Sérgio (Batata), Derico, Adriano, Aninha, Bibica (Fabiana), Bodão (Marquinho) Corrinha (era pequenina ainda). Claro que havia briguinhas, risadas, folguedos, fofocas, intriguinhas... mas sobretudo alegrias e sorrisos que se espalhavam pela rua e chegavam aos ouvidos de Seu Pedro Praieira em sua bodega, além da Pracinha.

Doutor Derval e Dona Luizinha foram morar por ali, numa casa linda e imponente, colada à casa de Seu Felipe, na rua que cortava a Irineu Pinheiro. Claudia, Zena (Azenete) e Leandro eram os mais velhos (Fafá era o caçula), mas não visitavam os vizinhos, nem também jogavam peteca. Morava, com a família, Joana d’Arc, prima deles e excelente amiga.

Assim, dentre tantas histórias da Irineu Pinheiro, ressalto neste momento apenas mais um detalhe curioso. Uma personagem que me ficou na memória por suas características “sui generis” : era Dona Ana Preta, que em sua simplicidade, fazia parte do folclore da rua. E havia um motivo especial para isto. Ela era amiga de Seu Januário, pai do nosso Luiz Gonzaga, rei do Baião e era sua anfitriã quando ele visitava a cidade de Crato. Seu Januário ia buscar, lá em Seu Zé Barbosa, que morava mais acima, os chapéus de couro e gibão, que este fazia com esmero e que eram encomendados por Luiz. Dona Ana também gostava de contar as histórias de Lampião e, “vira-e-mexe”, tinha gente curiosa por lá escutando os “causos”, recheados de fantasia.

E assim, para encerrar, fica aqui a lembrança e a saudade desse tempo e dos finais de tarde em que, quando o dia esfriava, Dona Ana Preta, toda faceira, se sentava na calçada em sua cadeira de balanço e anunciava às passantes: “Minha fia, o tempo tá tão quente que eu vim aqui fora tomar um deforete”.
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Texto de Claude Bloc

sábado, 22 de novembro de 2008

Chama-me saudade




Cinge-me o corpo
Lavra-lhe os vãos
E os ensejos

E só assim
fazes de mim o teu pretexto
E o teu fim.

Toca-me de mansinho
Desperta-me
como se eu fosse retomar a tua estada
e fosse eu o ser mais frágil do teu reino.

Cataloga-me
no teu álbum mais secreto:
espécie rara em extinção.

Beija-me os lábios
como se fosse hoje
o último adeus
E para que não me esqueças mais
assenta-me junto ao teu peito
E chama-me saudade...

sábado, 15 de novembro de 2008


Extremos

Podia estar no mundo
Ao sol, cheio de fadiga.
Podia perder o medo
Não ter a marca da dor.
Podia, do mesmo modo,
Perder tua companhia,
Perder as coisas mais simples
Como, de fato, pensei...

Podia, sei que podia...
Podia ter-te ouvido
E viver em desatino
Podia, feito menina
Entrar na contrabalança,
Podia enfrentar o ócio
E todo esse afastamento...

Podia, sei que podia...
Ocupar os dois extremos
De dois sentidos opostos
Podia girar a vida
Ter um sonho a cada dia
Tudo isso, eu podia..
Jogo de Palavras
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Ser de/do Crato, implica em ser criATIVO, ATIVO, imerso em paLAVRAS, LAVRAS em verso e prosa.
Não há cratense bURRO, URRO impaciente ante tal fenômeno!
E se alguém desCOBRE, COBRE em vez de ouro... em cada palavra proFERIDA, FERIDA pela vida... desvanece minha pROSA e a ROSA em botão...
E a inspiração se esVAI e VAI estrada a fora...
Em plena deSOLAÇÃO, e SÓ LÁ SÃO meus versos... os teus são sobre o Crato, trato de dormir...

Crato

CRato

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Sou de Crato
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Já pensei muitas vezes em escrever sobre o Crato, e, maiormente, sobre esse (in)explicável sentimento que todos os cratenses têm pela sua terra. Esse sentimento exacerbado e efervescente que jamais vi em outra, das tantas cidades que conheci... Não sei bem como explicar, mas creio ser um sentir (in)exato, de tão forte, de tão absoluto que se manifesta.
Na minha vida errante pelo sul, pelas tórridas ruas de Sobral, pelas ensolaradas praias de Fortaleza, por todos os mais diversos (re)cantos, insalubres ou não, por onde andei, nunca, jamais, encontrei no olhar de toda essa gente que povoou, de alguma forma, meus momentos, o calor intrínseco e “ruidoso” que alimenta a alma de um cratense.
... E fala-se da terrinha com orgulho, com um garbo majestoso de quem renasce a cada sorriso, diante da lembrança contundente dessa terra querida, desse quinhão afetivamente incrustado na alma.
Somos, então, todos cúmplices nessa história que escrevo emocionada. E hoje, olho para mim, imersa nessa amálgama, comunicando-me com o universo com um sotaque específico e claro: “sou de Crato e estou morrendo de saudade”... Como todos os que amam minha cidade, orgulho-me de ter crescido por entre essas pessoas todas que hoje ilustram minha memória em tantas linhas da minha prosa.
O Crato para mim não é um lugar remoto. Nunca deixei de visitá-lo mesmo em minhas incursões por outras terras. Nunca me senti estrangeira olhando de longe essa saudade inesgotável. As ruas, as pessoas, a vida do/no Crato passeiam em minhas veias a cada alvor do dia, porque nunca deixei de amar a terra, a serra e essa linguagem própria e estranhamente inusitada.
Por todos os meus poros vou além deste amor intransitivo, num reconhecimento mútuo que (de)codifico em meus refúgios mentais. O Crato é meu espelho e meu norte. É lá onde me posto neste sutil encantamento em que as melodias do meu estro se deixam quedar absolutamente (in)confessáveis. Sou de Crato... e me utilizo dessa luz insuspeita que me acalenta, para adormecer as coisas, para registrar o abandono a que me impus em outras terras.
Perco-me de mim, mas (re)visito-me no Crato. Sufoco-me na emoção de um novo encontro... Viceja em mim a sinfonia única e transparente do passado e os acordes mais dolentes que solfejo em carne viva... Renasço a cada gesto lasso e impaciente De volta, transcendo num limbo florescente e belo: meu Crato!