sábado, 25 de abril de 2009

Brilho...

Todo os meus poemas começam de manhã, com o sol.
Mesmo que as palavras não estejam à vista,
O poema será, então, meu céu de chuva
explicando a luz.
Durante o dia, morará inteiro
num espaço mais aberto
de ar claro e luminoso,
nas tardes lisas e eternas...
Então, emergirá, mais uma vez,
Da noite, do silêncio,
como um cais seguro.

Pela rua
sua passagem se confundirá
Com os assovios do vento
Com o rumor dos mares
E o encontrarei em areias claras
onde possa se estender ao sol,
no relicário dos meu sonhos.

Meu poema será
uma mão aberta e,
na sua palma, estará minha esperança.
...e se arrastará com o dia
e se meterá pelas copas das árvores,
cantará com os pássaros e correrá com os riachos...

Meu poema contará como tudo é feito
menos ele próprio...
começará por um acaso cinzento,
como esta manhã de abril
e acabará, também por acaso,
quando o sol (em meus olhos) brilhar...
Meu poema me levará no tempo
E não passarei sozinha...

segunda-feira, 20 de abril de 2009

De pernas pro ar...

...... Se hoje nada mais der certo pego as minhas coisas jogo numa mala e me mando pro Crato. Se nada mais der certo saio por aí pisando nas flores caídas pela rua enquanto finjo que não vejo os olhares atravessados do outro lado da rua, perscrutando meus movimentos. Se nada mais der certo compro um guaraná, bem gelado, e nada de papo.
...... Se nada mais der certo escrevo um poema, um dilema e me perco na obscuridade do silêncio. Se nada mais der certo vou em busca dos amigos. Vendo meus anéis, brincos e colares e compro uma passagem – pra onde, não sei. Se nada mais der certo componho uma música para alguém... e canto em falsete pra espantar a tristeza. Se nada mais der certo ligo a TV e finjo que assisto às novelas. Mesmo se ninguém gostar do meu senso de humor, sei que farei um bocado de gente sorrir da minha cara ridícula na tela – eu na tela?
...... Se nada mais der certo vou saber que não devia nunca ter emprestado aquele livro para minhas colegas. Se nada mais der certo escrevo mensagens para minha lista de amigos e como ninguém me responderá, nunca saberei se leram ou o que pensaram de meus textos. Se nada mais der certo ouço meus poucos CDs e ainda choro recordando as músicas do Ray Connif. Se nada mais der certo vou-me embora de ônibus e faço cara feia pro menino que ficar me olhando com cara de sapeca.
...... Se nada mais der certo bato à porta daquele bom amigo e negocio uma xícara de café por um antigo retrato. Se nada mais der certo desisto de dar certo e lavo as mãos...
.
Por Claude Bloc

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Voar....


Não quero ser pássaro,
quero apenas essas asas
pra voar em teu dorso
pois estou cansada.
Quero abastecer-me,
Seguir o sonho
Mesmo sabendo os riscos...

Quero ser a passageira
Nesse vôo ardente
Nesse mistério
Que me atiça.
Quero sobrevoar
As trilhas em que caminhas
Me fortalecer, renascendo
A cada suspiro...

Quero desabrochar
Em flor-mulher
Pois rodei o mundo
E fui tão longe
sem te encontrar.

Quero,
Até que minhas asas renasçam
E renasçam as palavras proferidas no silêncio,
As palavras mais sentidas e mais doces
Apenas voar...
E beber o sereno das folhas mais altas
Repartir com o vento esse encantamento
E apenas voar
Como se o céu fosse teu chão.

Claude

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Deuses da Chuva

Chove! ... e os deuses da chuva , do céu estão distantes. Na Terra, confrontam-se os heróis nessa alegoria profética do tempo. A figura do inverno desfila personificada nas enchentes, nos aluviões, materializada na avidez das águas, nas obsessões da estação...

Então, chove! Fora e dentro de mim. A chuva é poesia nesta hora. Mescla gêneros e experiência na prosa, mas não pode viver confinada ao limite das estações nem ao domínio das palavras.

A chuva é fiel. Ao tempo em que discorre pela vida a sua passagem. Ao tempo em que deixa escorrer seu pranto e seu agravo...

A chuva é a tradução deste poema. Celebra o universo! ... e leva, no verso de seu dorso, as linhas do seu estro.

Por Claude Bloc

terça-feira, 14 de abril de 2009

Teu vôo


Teu vôo é incansável
Tua plumagem raspa meus sonhos
Num alento abrasado

Estás no pólen
Que se esparge das flores,
No delírio e na essência
Que a noite gorjeia.

Ainda ouço
O tom da voz da madrugada
Nas vestes dos sonhos
Que não tive
Ou que deixei fugir por covardia.

Quero redimir-me
Deitar-me à sombra de teu verso
À luz da tua prosa...
Em qualquer tempo.

Claude

Chuva

........ A chuva de hoje proporcionou-me um curioso diálogo com o tempo. Lembrei-me da Rua Irineu Pinheiro nos muitos invernos que atravessei no Crato. Manhãs caudalosas. A rua inundada de uma ponta a outra, até as calçadas, causando transtorno aos incautos estudantes matutinos. Nem as famigeradas galochas eram suficientes para conter a “fúria” das águas que desciam levando as pedras rua abaixo. Nem os sapatos “colegiais” impediam a alegria dos meninos que saiam em revoada de suas casas para a escola. Risos, risadas, gente encharcada, lama, choro... e muitas vezes o retorno de um ou outro, vítima da “guerra fria” da água barrenta...
........ Difícil esquecer também os dias infindáveis de brincadeiras pelas ruas, onde, depois da chuva, filetes de água, refletindo o céu nublado, acompanhavam o meio-fio, dobrando na esquina, em busca do Rio das Piabas...
........ A chuva apascentava os ânimos. As brincadeiras eram infinitamente alegres e provocavam a criatividade. Diques e açudes assoreavam as ruas e invadiam a passagem dos carros. Eu era mera personagem dessa história de chuvas? Descia pela rua pisoteando a água, remexendo os sonhos de algum príncipe escondido n’algum “castelo”. Menino que simplesmente me assistia passivamente passeando pela chuva, chacoalhando a água com os pés, espargindo sonhos por aí...
........ Foi assim, nesse diálogo com a chuva que comecei a escrever. Tentava nas palavras encontrar o cheiro da terra e os sons das águas lavando e levando as pedras do calçamento. A verdade era para mim como essa chuva. Procurava me encontrar em meio a esse rio de palavras todas que escorriam pela rua desfarelando os sonhos pela enxurrada. A chuva naquele tempo era também a expressão dissimulada do meu pensamento. Eu, mera criança, apreendia o mundo como se eu fora extraterrestre. Tinha dificuldade de escrever. As águas lavavam-me as idéias. Meus textos eram híbridos e insípidos...
........ Hoje, porém, a chuva e eu podemos andar de mãos dadas...

Por Claude Bloc

sábado, 11 de abril de 2009

Entre a noite e o dia


...... Gosto dessa eterna alternância entre a noite e o dia, entre a claridade e a escuridão. Gosto desse balanço, por entre pêndulos, desses pequenos rasgos de luz que cortam os céus à noite, gosto dessas poções de luz que (i)lustram meu ser durante o dia. E nesta guerra permanente, entre a luz e a sua ausência, deixo-me ficar inerte, nessa hora, no instante exato em que os nossos mundos se roçam pelo espaço. Mesmo que depois, partamos em direções opostas, rumo à claridade, fechados na saudade.

...... Gosto do eco da noite e da voz do dia. Gosto do silêncio que tocou a minha alma, para sempre.

...... Gosto de pensar e escrever à noite Alimento-me da quietude, me apraz!

...... Gosto da noite que explode como catarse, liberadora de todas as paixões, de todos os excessos reprimidos durante o dia. Gosto de ouvir meus próprios passos durante a madrugada, quando, em silêncio, pareço apenas querer testemunhar a solidão das esquinas e das calçadas.

...... Gosto de viver a força das marés noturnas e de banhar-me nessas ondas. Gosto da noite quando irrompem as primeiras claridades do dia.

...... E é assim que chega o dia e me povoa a casa e me invade o quarto, dividindo espaço no mundo da vigília.

Por: Claude Bloc

terça-feira, 7 de abril de 2009

Reflexos

...... Cabelos ao vento saltam na testa em cascata. Sorriso esboçado, mas eloqüente. Traços finos de lábios cor de jaspe. A pintura é natural como na tela ou no espelho... A tarde nublada dissimula a idade, esconde os vestígios da transição do tempo... O reflexo no espelho é (in)finito. Mostra tudo e mais nada dessa visão insubordinada do que de fato sou. Há sempre mais de mim. Ou menos, não sei bem.
...... Apago a expressão canhestra e desafiadora que me faz mergulhar na liquidez do meu ser. Preciso então molhar meu rosto, deixar o sonho escorrer, dar vida a essa vida dentro de mim. Fechar as pálpebras e deixar-me ir além das tinturas fisionômicas, nessa captura de mim mesma, transformada refletida.
...... Enxergo o que fui ontem, o que hoje sou. Passagens achatadas pelo tempo. Vejo-me menina e/ou mulher. Afoita ou intensa. Insegura nas mais vezes. E assim prossigo desenhando nessa tela os retratos de minh’alma misturados ao íntimo do meu ser.. Como uma impressão digital que marca a história de todos os meus reflexos...
...... Espelho-me nesse enigma que é a vida e em seus estilhaços percebo o olhar penetrante que me observa. E me vejo finita, findável nessa imagem congelada. Sou, então, o reflexo abstrato, o rascunho concreto no lume do espelho onde me encontro, no olhar refletido na memória... Enquanto cada instante é ( in)finito.
.
Por Claude Bloc

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Pontos de Cruz

....Volta do trabalho cansada. Depois de refrescar-se, senta-se vagarosamente na cadeira da varanda tentando compor uma imagem com aqueles pontos-de-cruz. Não repara na hora, apenas deixa-se ficar ali por um bom tempo.
....Aos poucos o céu vai mudando de tonalidade. O sol já se avizinha do horizonte e, cada vez mais tímido, avermelha-se no seu ponto de encontro com a linha da serra. É um momento de paz. De um solitário mergulho nessas empoeiradas frestas do tempo.
....A essa hora o silêncio parece abrir as portas. A luz, então se evanesce nesse lapso entre o tempo e o espaço... A vida parece, então, parar por alguns segundos e sorrateiramente se esconder, nesse momento, por trás de pálpebras que se fecham, reflexivamente sobre a alma.
....É ali, naquele instante, que surgem as lembranças para além da ilusão. Memórias que captam o real como um filme, escrevendo nas linhas da vida uma pequena e inusitada história. Detalhes se tornam mais nítidos e vão se definindo. Um momento efêmero que fica para sempre.
....Num gesto quase involuntário ela toca seu rosto tentando encontrar nele as evidências do tempo, apalpando os vincos ali marcados... Estranhamente a pele está mais aveludada e firme... ....O ambiente de paredes esverdeadas mais se assemelha ao de seu quarto de adolescente. Teria então 15 anos?
....Ouve na sala algumas vozes, risadas, gracejos. A mãe, com sua voz grave de fumante, anuncia placidamente a alegre acolhida aos rapazes que chegam.
....Ainda no quarto, estende-se na cama com displicência, tentando ler aquele livro interminável. “Don Casmurro” tornara-se enfadonho àquela altura. Era afeita à leitura, mas grande uma inquietação não lhe permite a concentração necessária para compreender o sentido da história naquele ponto. Queria ir lá fora, tinha que passar por entre os visitantes, captar algum olhar perdido, furtivo, conversar, até participar...
....Ainda absorta e indecisa entre a razão e o desejo, espreguiça-se no momento em que explode retumbantemente o Bolero de Ravel... Vêm-lhe algumas lágrimas. Retida em seu mundo introspectivo aprendera a apreciar a música clássica e outras tantas ouvidas naquelas noites em sua casa. Solitária, deixa-se acariciar pelas sonatas e pelo dedilhar de violões de Dilermando que enchem a casa de uma alegria ímpar e, para ela, peculiar.
....Aqueles rapazes viraram personagens singulares. Vendo-os hoje na mente, depois de mais de trinta anos, percebe que as fisionomias e atitudes funcionam como sinais ou signos de histórias individuais possíveis... Àquele tempo todos faziam parte dessa mesma história. Bach, Beethoven, Mozart, Strauss, Schubert… allegros, adágios, prelúdios, sonatas… tudo se mesclava ao silêncio, à emoção, ao sorriso, à íntima alegria de cada um.
....E apesar de tudo, ela ainda se mantinha no quarto deixando-se tocar por aquela lânguida e macia sensação de paz. Mas, insistia-lhe a vontade de passar naquela sala. A timidez a incomodava profundamente. Ela se contrairia fazendo-se ínfima, invisível, quase afásica, naquele percurso. Seria fácil? Vence então a vontade !! Atravessa a sala. Não saúda efusivamente as pessoas, ou apenas balbucia coisas inaudíveis. As palavras ficam presas em sua boca. Sente-se menor, traída por sua inépcia. Queria muito parar… mas continua. …E sai sem destino, porta a fora em busca de nada. Sai querendo ficar. As perspectivas, as casas, a rua integram um clima de quase sonho. A realidade, porém, parece apenas uma convicção. Noites e noites fora assim. Tinha certeza de que fazia transparecer uma indiferença que não sentia.
....Ainda hoje ouve o tilintar dos copos num brinde mudo aos grandes compositores clássicos. Gim com Cinzano? Não importava o que fosse, ela não participava deste eloqüente ensejo. A música se ocuparia de fazer o seu papel: escrever por entre ritmos e compassos a informal convivência de onde se manteve mera passageira.
....Agora, sabe que agindo dessa forma, infiltra-se nos mistérios do não saber que o sonho fora possível ou realizável. Bastaria uma derrapagem nesse ajuste, mesmo pequeno e quase imperceptível, para que tudo se tornasse realidade.
....Hoje, mesmo num tempo indefinido, ela entra íntima e emocionalmente naquelas cenas. Pouco importa o momento e a hora: narrar para si mesma o próprio sonho já é torná-lo verdadeiro.

Por Claude Bloc

quinta-feira, 2 de abril de 2009

A Viagem


A estação de repente ficou vazia
O apito do trem se extinguiu no espaço
O mundo logo pareceu pequeno
Naquela janela de ferro e de aço
Tudo é passagem, tudo é nostalgia
No semblante doce, na feição serena
De quem fica, em terra, à sombra da alegria...

Os dias passam: contagem regressiva
O caminho é longo
O Crato é bem ali...
Nos trilhos antigos,
ficam
as saudades
...as retas
......as curvas
...as voltas
......os canaviais
que não mais veremos, além da memória
nesse percurso rumo ao sonho, rumo ao passado...

A estação agora tem cheiro de café
A vida passou e o trem saiu do trilho
Somos mutantes
...Somos passageiros
......Somos nuvens
.........Somos fumaça
E por não saber decifrar o mapa
Tantas vezes nos perderemos no trajeto.

A estação ficou e nós passamos
Como se passa uma primavera
E detectamos ao chegar mais perto
Que nada se perde ao voltar
à serra
...à terra
aos cheiros
...à estrada
Sempre há de se encontrar
...................... a magia pronta e certa...


Escuta, ouve, é o apito de mais uma partida
Partiremos para novos lugares
sem roteiros
... sem destino
...... sem poente ou nascente
A direção é a saudade
O maquinista será o tempo
Na plataforma da nossa história...

Não se canse
não desista
...se cansar, acene,
O trem não te deixará
Não hesite,
Não erre o percurso
A viagem prossegue
no vagão de primeira classe.

Por Claude Bloc