quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Quebrar-se em mil...


Meus ouvidos captavam sinais de vida pelos vãos da memória. "Você pega o trem azul", lembra da música? Lembrava ou não? Também não sei de onde ouvia o apito: "Estação do Cratooo". Foi quando uma menina encabulada desceu da plataforma e me cumprimentou. “O que você tem feito de você?”, perguntou sem muito interesse pela resposta. Acho que eu estava dormindo, ou sonhando, sei lá.

Minhas lembranças sempre me traziam, nessa época, esses pedaços de tempo costurados num presente lerdo de silêncios. Nostalgia, então, era meu remédio e minha doença. Estava sempre às voltas com esses fragmentos de memória misturados em minha alma, complacentemente. Costumava perder-me nas teias de um passado sedoso e macio e não queria mais aceitar essa vida de tantas dores e desalento. E por muitas e muitas vezes, tentei exilar-me na solidão e na obscuridade. Para não errar mais o caminho, para poder um dia voar e poder voltar a sonhar.

Foi difícil sair desse marasmo, mas agora meus silêncios não são mais vazios, nem precisam de passado para se abastecerem de sorrisos e de alegrias. Normal isso, acredito. Eu aí ansiava pela paz e mais que tudo, queria de volta a vida em minhas mãos, pois que eu já houvera percorrido um longo calvário.

Hoje, vivo remexendo na minha bolsa buscando trecos.O passado não fica guardado lá dentro, mas sei que sempre trago naquela bagunça algumas passagens de ida e de volta. Como disse certa vez a uma amiga querida, “basta ter a passagem de volta". - Tem razão, minha amiga! E depois disso, passei a voltar ao Crato contumazmente. Mas antes, passei por muitas, até chegar ao ponto em que estou.

Há alguns anos, e por muitas vezes, quando ia ao Crato, eu procurava em vão um rosto amigo que me acompanhasse por tantas badalações e brincadeiras, mas não achava. Não sabia mais onde as pessoas estavam e, tal como muita gente que conheço, sentia-me quase uma “estranha no ninho”, quando perambulava por aquelas ruas que ainda guardavam as marcas dos meus passos. Creio que, em parte, a culpa também era minha, pois vivia sob a proteção de escudos, presa numa redoma de inconformações e angústias.

Até que um dia, consegui redescobrir e reencontrar a linha azul da Serra do Araripe. E quando falo na Serra falo na gente, nos amigos, na vida. O Crato sempre foi e sempre é o expoente máximo de esperanças e de alegrias que eu possa ter ... e eu o havia perdido durante tanto tempo, por muitos desses acasos que se agregam na gente compulsoriamente, além da nossa vontade.

Imagens de um outro dia, de uma outra vida ou de um outro pensamento, passaram a voar livres diante de mim. Caminhei muito, sem mais tédio, sem mais nada que me incomodasse. Guardei as lembranças num lugar seguro. Vez por outra elas me escapolem, mas ao vê-las, passo a lustrá-las para que não mais escapem. Guardo também, e ainda, aquele velho Hermann Hesse perdido em alguma mochila rota. Lá está um lírio envelhecido pelo tempo com inscrições quase rupestres. Também ouço alguma música ao fundo da noite. Péssima, diga-se de passagem. Mas deixei quietos meus fantasmas, lá mesmo onde estavam. Havia perdido, por um tempo, o mínimo senso de humor. Mas cá estou agora neste novo espaço. Sobrevivente de um marasmo que não mais existe.

Foi por isso e por tudo o mais, que me pus a escrever este texto. Assim como quem exorciza uma fatia de tempo. Sentei-me num daqueles banquinhos para fora da redoma antiga. Meus pensamentos estavam quietos e mornos. Tirei então um papel da velha mochila e meus dedos buscaram uma caneta. Rascunhei despretenciosamente. Precisava de sílabas mais do que de pretensões. Perdi-me, aí, nos prazeres de escrever enquanto mandava aos céus minhas saudades. Poli essa solidão programada, e fui arrancada de meu planejamento por um sorriso confuso e sincero, por aquela animação pueril que só você provoca. E lá fiquei com todos os meus "eus" e todos os "seus".
“Feliz é quem sabe quebrar-se em mil e manter-se único.”

Texto e foto por Claude Bloc

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Crônica para você - Por Claude Bloc

Quando somos jovens achamos muitas vezes que tudo é tão difícil! Primeiro vem o sonho. Nunca sabemos se aos poucos conseguiremos realizá-lo, mas por alguma razão desconhecida continuamos sonhando.
.
A seguir, vem uma série de artifícios e processos, como, por exemplo, o questionamento dos outros sobre nossa escolha sobre o futuro, vem a expectativa dos nossos pais, e principalmente, aquela perguntinha martelando na nossa cabeça: “será que vou conseguir”? Não sabemos, portanto, a esta altura, que esta será uma pergunta constante durante o restante de nossa vida.
.
Aí, então, começam as renúncias, que se estendem pela vida a fora: desde festas e passeios até falta de atenção à família, aos amigos, à/ao namorada/o…mas sempre há motivos de renúncia. (Ou não!). No final das contas todos nós podemos escolher, e é justamente quando o cansaço bate, quando a mente está já tão cheia de informações e de conhecimentos, quando não conseguimos aprender mais nada (mas não largamos o livro), quando todos reclamam que estamos estressados... sim, é nesses momentos que alguma escolha é feita.
.

Poderíamos até ter seguido pelo caminho mais fácil, ter curtido toda nossa juventude intensamente, ter vivido para nós mesmos e pro mundo. Mas não, seguimos sonhando... Obviamente o tempo passa e com ele tudo segue passando. Mas a vida continua, e acabamos deixando de lado muitas vezes as pessoas que mais amamos. E agora? Pomo-nos à prova. Tentamos decidir nosso destino ou seremos jogados na jaula novamente junto ao nosso passado e às nossas lembranças.
.
Depois de muitas intempéries, acabamos acreditando que estamos livres e que nos havíamos livrado das noites em claro, das tempestades, dos enganos nossos de cada dia. A ausência dos amigos aumenta. Tentamos modificar toda nossa vida. Mudamos de cidade, moramos com pessoas totalmente desconhecidas, temos que aprender a nos virar de todo jeito, porque é assim que aprendemos a crescer.
.

De repente percebemos, então, que não tem mais jeito, que nossa adolescência passou e que a queremos de volta, mas não podemos mais tê-la, porque não dá mais tempo agarrá-la. Nossos amigos agora são outros; e daí, nós também não entendemos por que eles não são como os de antigamente.
.
É aí que passamos a ter medo, e este acaba se tornando nosso maior amigo. Temos medo de fracassar, de ter chegado tão longe, mas sem saber direito para onde ir. Sentimos vontade de chorar, mas aí já somos quase adultos, e temos que ser fortes... Afinal, não foi assim que nos disseram? Que devemos ser fortes sempre? Que o resto é manha? Mas temos esse direito?

É aí que nos deparamos com o futuro. Nossos últimos anos foram de coragem e de batalhas. Batalhas estas que nunca acabam e vão ficando cada vez mais difíceis de vencer. Surgem as perguntas: Onde estão meus pais? Onde estão meus amigos? Pra onde estou indo? São tantas as dúvidas… Deveríamos ter um dicionário para responder a essas questões tão esdrúxulas. Porque ninguém nos diz o que vamos encontrar pela frente ou como isto ou aquilo vai ser. Mas... mesmo assim continuamos. .

Então passamos a refletir sobre nossos sonhos, sobretudo sobre aqueles que ainda não realizamos e que não somos capazes de esquecer. Diga-me, fale-me: a esta altura você seria capaz de deixar isso fugir do seu coração? .

Agora nossa vida é esta. Apesar de ela ser repleta de insegurança, é, no entanto, e ainda, cheia de sonhos. E essa nossa vida passou agora a ser também a vida de outras pessoas. Amamos. E amamos tanto tudo isso! Amamos encontrar as mesmas pessoas todos os dias, amamos também porque não temos tempo para nós mesmos, amamos, amamos, amamos… amamos de um jeito que não valeria mais a pena viver se isso tudo não existisse. ..

E por mais que não queiramos aceitar, e por incrível que pareça, nos encontramos hoje justamente naquilo que nos fez sentir tantas vezes perdidos. Mas é assim. Foi uma escolha nossa e, a cada tempo procuramos fazer a melhor escolha que possamos imaginar. Eu hoje escolhi vocês, meus amigos de hoje e de sempre.
.
Foto 1: Atrás: Dominique, Pedro Silvino e Claude // no meio: Roberto e Ricardo Saraiva e Jean-Pierre (primo) // na frente: Bertrand e Jacques (irmãos)
.
Foto 2: da esquerda para a direita = 1. (não lembro do nome) 2. Gracinha Pinheiro C. - 3. A cabeça de Vanda - 4. Ismênia Braga Brilhante - 5. Glória Pinheiro C. - 6. sentada = eu - 7. em pé = Ana Ricarda Ribeiro
.
Foto 3: Turma do Pimenta: Fátima Lacerda (com a irmã mais nova), Cristina (de Seu Luiz Gonzaga) abraçando Iza (minha irmã de criação), Eduardo, Glória e Zé Junior (Lacerda), Carlinhos (na frente de Zé Junior), Rita de Cássia (falecida há pouco tempo), Ana Ricarda (na frente de Rita), Primo de Gracinha e Gracinha Pinheiro, Claude (atrás) , Marcelo, e ajoelhado Renato Pinheiro com Meirinha nas costas.
.
Texto e fotos por Claude Bloc
.