terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Ele
- Claude Bloc -


Eis que retorno ao ponto de partida pois que vivemos em direções opostas. Não por acomodação, mas por precisar especificamente desse retorno posterior. Mesmo pensando que a história poderia ter sido outra qualquer.
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Não sei como explicar o tanto que ele sabe de mim, ainda que o silêncio nos ronde e nos falemos tão pouco. Vemo-nos, entre distâncias e (in)quietudes. Ele é o cessar dessa ardência sufocada e o caleidoscópio dos sonhos vencidos. O fim dos engodos, das cobranças, das (in)conveniências. E se ele é o fim (?), é por ele que me (re)faço e (re)inicio minha jornada.
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E ainda assim, eu me ausento e ele me faz voltar. Ele que poderia ter-me esquecido, mas não fechou a porta, porque não dá pra explicar o que nos acontece nos dias em que as flores se adornam e se entregam e o sonho se faz farto, mesmo que doído.
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Eu poderia dizer que o vejo quando a lua crescente dança e se descortina no meu purgatório. Poderia afirmar igualmente que entendo as ambições de sua alma. As suas querências. Mas me calo a cada anoitecer, vencida pela saudade.
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Ele já poderia saber que gosto de me deitar numa rede quando o sono me procura. Ou poderia imaginar os malabarismos que faço para segurar as coisas entre os lábios cerrados quando me faltam as mãos. Pois ele sabe que possui o que é meu também e chora pelo que choro.
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Ele sabe de mim. Sabe quem eu sou, num reflexo sem distorções. Está nele minha polaridade feminina, pois ele é a terra que acolhe meus pousos e eu sou o fogo que dissipa sua solidão. Somos solitários e solidários. E certamente quando nos negamos, não é rejeição: é proteção.
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Por isso guardo os beijos que não dei. Beijos sem reservas. Olhos nos olhos, como deve ser. Sem condenação, sem disfarce. Vastos dentro de mim.
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Por isso, não dá pra explicar essa (in)constância entre nós e muito menos essa (in)conveniência de pedir sempre mais da vida por acharmos que ela nos deve tudo e, no entanto, o que temos abrevia-se em nós mesmos.
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Assim sendo, eu poderia escrever linhas e mais linhas sobre ele, todas cheias de parênteses. Trechos e mais trechos, todos sem reticências. Porque escrever sobre ele é discursar sobre mim mesma, e eu (nos) resguardo no silêncio. Por tudo isso ele está em mim: ele, meu passado.
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Texto e foto por Claude Bloc
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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010


No balanço da rede
- Claude Bloc -


Se houvesse espaço na minha rede, eu diria que a saudade dormiu lá esta noite. Que meu sonho acordou mais cedo, pra me vigiar, pra ter certeza de que eu saturei todos os meus sentimentos neste momento.

Tenho escrito vez por outra sobre isto e sobre tudo, mas palavras têm sido insuficientes. Elas têm dito tão pouco. E eu tenho sentido tanto a intensa falta delas que por vezes me sinto ausente, inerte, em plena maré de calmaria e não consigo alcançá-las... E surge, então, uma monótona resistência ao silêncio, um atropelado sossego para onde seguem as ondas e as turbulências. Onde eu me fixo, talvez, ancorada em algum porto. Onde o vento não sopra. Onde a areia vadia castiga a tua ausência...

Lá os dias passam. Se enfileiram simplesmente, uniformes e iguais... Ficam em mim os vazios. Vazios de uma presença que vou preenchendo no balanço da rede.

Foto e Texto por Claude Bloc
Lambendo as patas
- Claude Bloc -


Esticou-se na varanda a tarde toda
e assim ficamos eu e ele
cada um em seu canto
entre os rompantes do sol
e o gosto salgado da brisa...
Ri sozinha.
Pela minha mente
frases inteiras borbulhavam,
mas havia indiferença
naquele olhar (des)atento
quase risonho.
Pairava nesses olhos
uma dormência felina
que estremecia
com o esticar desajeitado das pernas
com o lamber quase constante das patas
deixando-me entrever o corte harmonioso
daquela boca dentada.
Senti-me nessa hora absolutamente dispensável
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E assim, passou a tarde.
Dias achatados como o de hoje
fizeram fila na minha frente:
pressupostos da vida
mudanças de lugar
levando meu sonho junto a essa madorra
pelos corredores silenciosos do meu pensamento.
A tarde me fazia criança
( ir)refletida nesse universo
onde caminha a minha humanidade
onde aporta a calmaria intensa desta casa.
Aqui vozes não se tocam.
São um logro.
Então, farejo como ele
uma noite tão igual por dentro
ao som e aos gestos de uma saudade sem limite.
Resisto.
Às vezes o pensamento pára.
Sou como esse animal lambendo as patas:
abro os braços em toda a extensão do espaço
recolho nas mãos a cor da noite...
Aquieto-me.

Texto e foto por Claude Bloc

Indulgentemente
- Claude Bloc -
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Preciso indulgentemente escrever
pensar, calar, escrever
encontrar palavras
de dentro de um parêntese
de dentro de uma história
escrever, enfim, neste pedaço de liberdade
que toma conta de mim.

Quero escrever sofregamente
esconder minha alma em versos livres
adormecer algum sonho
e acordar de manhã.

Quero escrever
os restos dos meus pensamentos
lampejos do que almejo
clarões dentro da memória
que a inspiração alinhava
num poema incolor.

Quero escrever
palavras que não alcanço
palavras que não esqueço
Poemas desordenados
Para não me entristecer...

Por isso escrevo
Versos livres, versos tortos
na rua, olhando a lua
nas tardes de agonia...

Assim poetiso a ausência
ou simplesmente me calo
a verdade pode ser dita
por não me caber mais em mim...

Imagem e texto por Claude Bloc
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