domingo, 24 de outubro de 2010

Por onde andam seus sonhos?
- Claude Bloc -


Por onde andam seus sonhos? Lá estava impertinentemente a pergunta. Apressei o passo. Fechei os olhos. Fingi que não era comigo. Sentei-me rapidamente tentando me concentrar e digitei o mais rápido que pude, procurando inutilmente me desvencilhar da questão, mas não consegui. Estava na minha cabeça, no papel onde fiz uns rabiscos, na tela do monitor, em todos os lugares para onde olhava, me deixando meio tonta.

Parei por um momento e depois me engalfinhei com aquela interrogação insistente. Revirei com cuidado a caixa de papelão das memórias e não me veio nem um simples sonho, nem mesmo daqueles que a gente imagina quando criança “quando crescer quero encontrar …” Nenhum mesmo! Nada. Nem daqueles em que a gente costuma lembrar as brincadeiras na rua, em casa, quando a gente pensa nos colegas da escola, nada! Nem mesmo das brigas homéricas com os irmãos mais novos atalhando o espaço para sonhar futuros improváveis.

Revirando a caixa mais um pouco, dei de cara meus antigos óculos de armação em madrepérola, lentes de uma adolescente tímida que, finalmente, descobria o mundo. Ainda consegui ouvir bem de longe as vozes dos intrépidos seresteiros que se “arriscavam” cantando na Irineu Pinheiro. E os suspiros ingênuos daquela menina acanhada que se esgueirava pelas venezianas para ouvir a música que entrava em sua casa pelo labirinto da fantasia – sim porque sonho, projeto, coisa séria é outra história – e o meu sonho nessa época se perdia por entre vocais apaixonados e melodiosos violões, belos filmes, romances. Tudo muito bem fantasiado e nada feito.
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Soterrados bem no fundo da caixa, embaixo de uma pilha de lembranças mal digitadas e pobremente redigidas, estavam alguns dos meus velhos sonhos, uns já bem amarrotados, por isso, abri mão de mergulhar mais fundo com medo de arriscar encontrar alguma esperança embaraçada nos meus, digamos, sonhos.

Ainda bem, pois admito muitas vezes minha mediocridade, com toda modéstia. Admito também que choro outras tantas vezes sobre os sonhos derramados. Mas mesmo que a você muitas vezes eu pareça triste posso afirmar que sou apenas uma mulher que ainda tem sonhos guardados, sonhos travessos e não revelados. Sonhos preservados com cuidado.

E você... Por onde andam seus sonhos?



Claude Bloc

sábado, 16 de outubro de 2010

Avesso
- Claude Bloc -


No avesso do dia
No patamar da noite
Me desfaço
Em qualquer traço
E desfaleço
Em teu abraço
E submersa
Sobrevivo...
No avesso.

Claude Bloc
Viajante contumaz
- Claude Bloc -
Ando desconcertada
Desconcentrada
Apanhando os restos do mundo
Apanhando os restos do tempo
No fundo falso da alegria.

Sei que sou forte
Sei que sou frágil
Que levo uma vida
Circunstancial.

Sou aprendiz
Sou viajante contumaz
Mas
Perdi a mala
Perdi o tempo
Perdi a linha
Fiquei pra trás.

Claude Bloc

domingo, 26 de setembro de 2010

Carta a Edilma
- Claude Bloc -


Amiga, Edilma,

A você que sempre me prestigia com sua amizade, que me entende, que me lê e me incentiva, que, como eu, anseia em tomar a velha estrada que se estende até a entrada da velha casa – França Livre - quero agradecer pela linda tapeçaria de palavras e imagens que vem bordando neste blog. Confesso que o que tem me deixado inquieta esses dias é a existência de muitas palavras silenciosas que não saem da nossa boca, por maior que seja o esforço ou a intenção de expeli-las porta afora. Você as deve conhecer muito bem: são aquelas palavras cruzadas aqui dentro do peito. Entrelaçadas atapetando um chão tantas vezes varrido pelo silêncio, que faz questão de nos esconder e encobrir à sombra da chapada sem, no entanto, se preocupar em nos guarnecer ou dar conforto algum.

Mas, sabe, Edilma, ontem fiquei lembrando das quantas e quantas vezes que estivemos lá pela Serra Verde nas férias e de como preenchíamos de alegria nossa vida naqueles momentos em que saíamos a cavalo pelas estradas cantando, galopando, vibrando. Dos intermináveis banhos no açude. Dos jogos de baralho à noite... e das cantorias noturnas na casa de Maria Alzira, motivadas pelos vários “lotes” de pipoca quentinha.

E as festas? A melodia extraída da sanfona ao som da noite embalava o movimento circular dos participantes e envolvia a gente ao ritmo das batidas do peito. O coração se revestia de seda para servir àquela cadência festiva tal como um pandeiro seguindo um violão plangente. Assim se podia dinamizar a energia vital do ambiente.

Era simplesmente sublime esse tempo. Pela sala vestidos rodados e o cheiro de extrato barato bailavam pelo salão. Nossos vestidos resplandeciam sobre as paredes cruas da casa. As mocinhas se enfeitavam para se apresentar ao mundo e ofereciam aos olhares curiosos um porte majestoso e delicado ao mesmo tempo...

Agora, numa nova roupagem, nos sentimos dispostas mais uma vez a trançar novos fios, a traçar novas linhas na nossa vida, sem o medo das palavras que ressoavam antes. Esta é nossa nova vida incorporada, motivo e valor de nossa atual devoção. Eis o ímpeto para fazer figurar nossa amizade fraterna, com orgulho, nossa história em uma nova tapeçaria de palavras.


Abraços, mana



Claude

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Eu bem o sabia...
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- Claude Bloc -
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Meus sentimentos são como um rio oculto, em cujas margens apenas eu desenho. Crescem dentro do mim, apenas isso. Pergunto-me, então, sempre o por quê, quais são as razões para essa invasão velada, mas tão contundente. Mas não tenho clarividência. Fogem-me as respostas.

São sentimentos que costumam ir e vir, num eterno balé ... Brincam comigo, tripudiam ou aparecem quando apenas tu tens a resposta. Sinto, em alguns momentos, apenas a tua evocação suave entre meus dedos entrelaçados. Pressinto teu sorriso irônico. O silêncio de todas as infâncias. A minha, a tua... Então, fico quieta, parada. Meus olhos afagam lembranças em diálogo contigo, na agitação do teu/meu coração. Interrogando-me, interrogando-te no silêncio dos lábios mudos.

Vejo-nos, então, intemporais. Sem eira nem beira, vencendo as contingências. E nessas horas, a comunicação entre nós passa a ser o balbuciar alado das horas. Como se a cada segundo nos pressentíssemos. Eu, apenas atenta ao magnetismo dos teus olhos e à evocação de tanta lembrança, assim, quando menos espero. Será que me chamas?

E só nessa hora esboço um sorriso. Liberto-me. E recuo tanto no tempo que o presente se faz passado - aquele dia. Aquele em que realmente me chamaste e, que mesmo depois de tanto tempo, eu (quase) já conhecia razão da urgência. Eu bem o sabia. Amei-te também por isso....
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Claude Bloc

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Caixa Mágica
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- Claude Bloc -
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Ganhei uma caixa mágica
para guardar o que não cabe
pra guardar a minha sombra
em dias de muito sol
Pra guardar o arco-íris
e o amarelo que falta
e o amarelo que sobra
no olho do girassol...
Pra guardar algum suspiro
suspiro de beija-flor,
e as lágrimas invisíveis
de alegria e saudade.

Ganhei uma caixa mágica,
pra guardar tuas palavras,
e todo meu sentimento
em sonhos enovelado.

Só depois quero guardar
a caixa da minha vida
com tudo o que leva dentro
para poder te encontrar
a cada gota de tempo.


Claude Bloc

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Incompletude
- Claude Bloc -


Hoje me basta esse amor
E esse bastar ocorre
Justamente quando se transforma
Todo desejo em saciedade
Eis enfim o lume, a chama acesa
Que plenifica a falta
A redenção
O sol crescente.
Eis o resgate que vai além
De uma entrega irrestrita
Quando o humano ser, em mim
Se aniquila
E depois retorna incompleto
À consciência...
Quando esse amor se fecha
À certeza de sua incompletude
Que já não é, pois inexiste.
E eis que me busco um pouco aqui e ali
Nessa ruptura que fulmina a alma
Na desmesurada perda dos limites.
Busco, então, nessa agonia
Um porto firme para ancoragem
Quando o amor caminha pelas margens
Nesse eclipse total da consciência
A transbordar de pura euforia.

Claude Bloc

segunda-feira, 22 de março de 2010

Fio
- Claude Bloc -
Sempre pensei que borboletas
fossem como as palavras
que saíam da minha boca,
e que só elas, num momento
poderiam apaziguar minha vida,
meus anseios...

Hoje sei que minhas palavras
ainda revoam pela estratosfera
e com um fio transparente
escrevem minha história
enquanto ainda não se esgotaram todos os caminhos
enquanto ainda não feneceram todos os amores
mesmo quando descubro que nada foi em vão
... e que esse fio
me amarrou definitivamente à vida
e a todos os meus sonhos.
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Foto e texto por Claude Bloc
Retalhos
- Claude Bloc -
Há dias em que não resisto. Olho para trás e vejo nas coisas, uma história tecida em retalhos. Se há sentido no que vejo não importa, são apenas restos de mil pedacinhos de tecido que passaram a viver juntos montando um enredo interminável.

Hoje choveu. Não sei se foi por isso ou por estar sem nada prá fazer que me pus a brincar com o tempo um bocadinho, tentando preparar essa colcha de retalhos. Seria como se me preparasse para o encontro de mais um pedaço nesse todo.

Não nego, amofinava-me por receio de não ter nada de importante para acrescentar, na hora em que eu olhasse para trás com o intuito de tentar finalmente fazer um balanço de contas que ainda não fiz, por não saber como.

Esbarrei no tempo e nas lembranças. Diante de mim uma confecção absolutamente complexa. Olhei para trás e tentei entender que teia era essa que me envolvia, e o que dizia ela de mim e para mim. Em que espaço de minha colcha estariam meus amigos, como me arrumaria para receber todos os sonhos que se acovardavam no momento de encontrar pessoas importantes para mim? Como poderia recebê-las nessa tessitura que reúnia todos os retalhos de minha vida?

Detive-me em alguns momentos. Com agulha e linha emendei alguns sorrisos aos meus e consegui estender a colcha por sobre um tempo indefinido. Enquanto isso, me alimentei de sonhos. Adormeci meus pensamentos. E sem dar-me conta, me debrucei sobre um diálogo com a memória. Lá os encontrei: todos a quem eu prezo. Todos a quem amo de uma forma ou de outra.

Por isso digo a todos vocês indistintamente: foi sempre assim. E hoje ainda persisto neste caminho, sem me dar por ele, até que olho para trás e penso nele. E não penso bem nem mal dessas passagens. Aceito que assim sejam. Sem rumo certo. Apenas com certo rumo. Como esses retalhos cheios de sentido. Cada retalho envolvendo um momento. Uma teia tecida à mão. A minha mão. Elo entre as partes. Único elemento comum na interseção dos dias e das diversas partes, pois não sei ser diferente.
E se me perguntam se procuro terra firme, respondo:
Não! Procuro um sonho que me assente.
Claude Bloc

sexta-feira, 19 de março de 2010

Do mesmo jeito
- Claude Bloc -


Meu poema se prende ao tempo
Em articulações que se engatam,
Se encadeiam
Em dimensões que se perdem
Se entremeiam
Por isso quero
Recuperar as noites
Mal dormidas
Noites em claro
Sem brilho nem beleza.
Quero ignorar teu choro
E teu desleixo
Meu eterno cansaço
De só cuidar de mim...

Meu poema explode
E arrebata
E se dilui nas sombras
E se prende aos laços
Nessas suturas de minha emoção

Meu poema começa e acaba
Do mesmo jeito
Fechando o círculo
Abrindo outro
Numa infindável espiral.
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Foto e texto por Claude Bloc

sexta-feira, 12 de março de 2010

No ar
- Claude Bloc -


Estou no ar.
Se ando ou se paro
Caminho entre nuvens...


Muitas vezes
mergulho em céus claros

e encontro num sol incandescente
sorrisos de ontem
retalhos de hoje,
de meu íntimo desejo
de aquecer-me
ou de (re)encontra-me.

Outras vezes
escorrego em dias cinzentos

e me recolho.
Encurto o passo
e nessas horas tenho medo
vai que eu me perca?


Claude Bloc
Entre alhos e bugalhos
- Claude Bloc -
Vou assim
entre alhos e bugalhos.

Encontro-te
em tantos dos meus sentimentos
que me perco
na velocidade dos meus sonhos.

Eu, eu apenas
querendo simplesmente
ser o sopro ou o estro
o ar que te faz navegar pelo tempo.

Nesse espaço,
sou um corpo feito de brisas.

Olhar-te, eu o faço
em todos os momentos
com olhos de vento
... e quero
nos dias iluminados

trazer-te para perto
e ser absolutamente
a tua parte
e minha contraparte.


Claude Bloc

quarta-feira, 3 de março de 2010

Pé de Baraúna
- Claude Bloc -

O que restava do pé de baraúna até uns 4 anos atrás

.Quando crianças, acreditamos em tudo. Nos põem medo do que não existe, criam enredos que passam pela tangente da imaginação, rebocam as paredes da nossa criatividade, sem direito a pesar ou medir o resultado do desenlace e a autenticidade dessas fantasiosas empreitadas.

.Pois foi lá em Serra Verde que me apareceu uma dessas histórias meio escabrosas a qual, na verdade, nunca quis experienciar, nem fazer o teste de S. Tomé.

Era o seguinte: todo final de tarde a turminha de irmãos, primos e amigos que passavam as férias na casa-sede com a gente, depois de um bom banho no açude, seguia em bando para passear a pé pela fazenda. Havia algumas opções para os passeios: dirigir-se à Represa (do açude) onde morava a família Carlos, João Paulo e “Sulidade”, Maria de Geraldo, João Soares e João Franco com suas devidas famílias. Ir até o engenho no mês de julho, ou simplesmente ir à bodega de Seu Moreira, pra comprar algum bombom. Ir até o Jardim, sítio dos Botelhos e Aurélios (Orelo), que ficava perto do engenho ou pros lados do Guedes, aonde depois vieram morar Mãe Cândida (Cãida) e Mãe Naninha, duas irmãs, boleiras de mão cheia. Havia também a opção de subir a ladeira da Serra, em direção à casa de Seu Manoel Dantas. Cada tarde havia, portanto, uma opção diferente para se escolher.

Nesses passeios, em cada terreiro uma saudação aos donos da casa, um gracejo, ou se ia “escruvitiar” pelo chão de terra em busca de pedrinhas coloridas ou, quem sabe, subir nos pés de cajarana em busca dos frutos de vez... Eram portanto, mil estripulias, sem contar com o drible às vacas que ruminavam pela estrada, ou pelos terreiros das casas...

Quando se ia à Represa, o passeio era mais aprazível. Seguia-se pela orla do açude, sentindo o hálito da tarde refrescando-se aos poucos até amofinar-se na boca da noite. Na hora em que os primeiros sinais da noite apareciam e os sapos e a jias começavam sua serenata inteiriça, a gente, “foi-não foi”, voltava naquela algazarra, trotando em cavalos de pau tirados da própria mata, cantando e apelidando uns e outros, mesmo que o freguês não gostasse... Atrás de nós, os rabiscos dos galhos pelo chão traçavam sonhos que mais tarde a gente buscava naquela terra como remédio para as nossas fragilidades hodiernas.

Já quase chegando em casa, subíamos a última ladeira que embeiçava o açude e fatalmente passávamos por um velho pé de baraúna, altivo e sinistro. Seu tronco ocado estava sempre quase abarrotado de pedras atiradas pelos passantes. Aquele vão no tronco da árvore parecia nunca se satisfazer, pois nunca estava completamente cheio. Naquele nosso tropel, sempre conduzimos alguma pedra na mão para ali depositarmos o que, para nós, significava uma passagem sem sustos para o que nos restava de caminho até chegarmos em casa. Assim, acreditávamos estar alimentando a árvore e dessa forma não correríamos o risco de ver a assombração que aparecia no pé de baraúna a partir do cair de uma noite fechada.

Pois é, seu João Franco e Seu Joaquim Carlos juravam ter visto sair dali, no meio da escuridão, um cachorro preto de olhos de fogo... E o bicho só parava de segui-los quando chegavam no terreiro da casa-sede. Daí......... você se arriscaria a passar lá de noite sozinho/a? Quem disse? (Eu também não!)

O que se soube foi que um dia o cachorro dos olhos de fogo “deu uma carreira” em Seu João Franco e o mordeu (não sei aonde)... E conta a lenda que toda noite de lua cheia seu João Franco virava lobisomem.

Acredita nisso? Não?

Texto e foto digitalizada por Claude Bloc

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Ele
- Claude Bloc -


Eis que retorno ao ponto de partida pois que vivemos em direções opostas. Não por acomodação, mas por precisar especificamente desse retorno posterior. Mesmo pensando que a história poderia ter sido outra qualquer.
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Não sei como explicar o tanto que ele sabe de mim, ainda que o silêncio nos ronde e nos falemos tão pouco. Vemo-nos, entre distâncias e (in)quietudes. Ele é o cessar dessa ardência sufocada e o caleidoscópio dos sonhos vencidos. O fim dos engodos, das cobranças, das (in)conveniências. E se ele é o fim (?), é por ele que me (re)faço e (re)inicio minha jornada.
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E ainda assim, eu me ausento e ele me faz voltar. Ele que poderia ter-me esquecido, mas não fechou a porta, porque não dá pra explicar o que nos acontece nos dias em que as flores se adornam e se entregam e o sonho se faz farto, mesmo que doído.
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Eu poderia dizer que o vejo quando a lua crescente dança e se descortina no meu purgatório. Poderia afirmar igualmente que entendo as ambições de sua alma. As suas querências. Mas me calo a cada anoitecer, vencida pela saudade.
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Ele já poderia saber que gosto de me deitar numa rede quando o sono me procura. Ou poderia imaginar os malabarismos que faço para segurar as coisas entre os lábios cerrados quando me faltam as mãos. Pois ele sabe que possui o que é meu também e chora pelo que choro.
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Ele sabe de mim. Sabe quem eu sou, num reflexo sem distorções. Está nele minha polaridade feminina, pois ele é a terra que acolhe meus pousos e eu sou o fogo que dissipa sua solidão. Somos solitários e solidários. E certamente quando nos negamos, não é rejeição: é proteção.
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Por isso guardo os beijos que não dei. Beijos sem reservas. Olhos nos olhos, como deve ser. Sem condenação, sem disfarce. Vastos dentro de mim.
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Por isso, não dá pra explicar essa (in)constância entre nós e muito menos essa (in)conveniência de pedir sempre mais da vida por acharmos que ela nos deve tudo e, no entanto, o que temos abrevia-se em nós mesmos.
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Assim sendo, eu poderia escrever linhas e mais linhas sobre ele, todas cheias de parênteses. Trechos e mais trechos, todos sem reticências. Porque escrever sobre ele é discursar sobre mim mesma, e eu (nos) resguardo no silêncio. Por tudo isso ele está em mim: ele, meu passado.
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Texto e foto por Claude Bloc
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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010


No balanço da rede
- Claude Bloc -


Se houvesse espaço na minha rede, eu diria que a saudade dormiu lá esta noite. Que meu sonho acordou mais cedo, pra me vigiar, pra ter certeza de que eu saturei todos os meus sentimentos neste momento.

Tenho escrito vez por outra sobre isto e sobre tudo, mas palavras têm sido insuficientes. Elas têm dito tão pouco. E eu tenho sentido tanto a intensa falta delas que por vezes me sinto ausente, inerte, em plena maré de calmaria e não consigo alcançá-las... E surge, então, uma monótona resistência ao silêncio, um atropelado sossego para onde seguem as ondas e as turbulências. Onde eu me fixo, talvez, ancorada em algum porto. Onde o vento não sopra. Onde a areia vadia castiga a tua ausência...

Lá os dias passam. Se enfileiram simplesmente, uniformes e iguais... Ficam em mim os vazios. Vazios de uma presença que vou preenchendo no balanço da rede.

Foto e Texto por Claude Bloc
Lambendo as patas
- Claude Bloc -


Esticou-se na varanda a tarde toda
e assim ficamos eu e ele
cada um em seu canto
entre os rompantes do sol
e o gosto salgado da brisa...
Ri sozinha.
Pela minha mente
frases inteiras borbulhavam,
mas havia indiferença
naquele olhar (des)atento
quase risonho.
Pairava nesses olhos
uma dormência felina
que estremecia
com o esticar desajeitado das pernas
com o lamber quase constante das patas
deixando-me entrever o corte harmonioso
daquela boca dentada.
Senti-me nessa hora absolutamente dispensável
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E assim, passou a tarde.
Dias achatados como o de hoje
fizeram fila na minha frente:
pressupostos da vida
mudanças de lugar
levando meu sonho junto a essa madorra
pelos corredores silenciosos do meu pensamento.
A tarde me fazia criança
( ir)refletida nesse universo
onde caminha a minha humanidade
onde aporta a calmaria intensa desta casa.
Aqui vozes não se tocam.
São um logro.
Então, farejo como ele
uma noite tão igual por dentro
ao som e aos gestos de uma saudade sem limite.
Resisto.
Às vezes o pensamento pára.
Sou como esse animal lambendo as patas:
abro os braços em toda a extensão do espaço
recolho nas mãos a cor da noite...
Aquieto-me.

Texto e foto por Claude Bloc

Indulgentemente
- Claude Bloc -
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Preciso indulgentemente escrever
pensar, calar, escrever
encontrar palavras
de dentro de um parêntese
de dentro de uma história
escrever, enfim, neste pedaço de liberdade
que toma conta de mim.

Quero escrever sofregamente
esconder minha alma em versos livres
adormecer algum sonho
e acordar de manhã.

Quero escrever
os restos dos meus pensamentos
lampejos do que almejo
clarões dentro da memória
que a inspiração alinhava
num poema incolor.

Quero escrever
palavras que não alcanço
palavras que não esqueço
Poemas desordenados
Para não me entristecer...

Por isso escrevo
Versos livres, versos tortos
na rua, olhando a lua
nas tardes de agonia...

Assim poetiso a ausência
ou simplesmente me calo
a verdade pode ser dita
por não me caber mais em mim...

Imagem e texto por Claude Bloc
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quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Camocim
- Por Claude Bloc -
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Camocim
Como assim?
Minha vida cigana
me leva aqui e ali
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aquém e além
e cá estou
nesse meio
alheio


abalizando,
avaliando,
analisando...
sol a sol
em Camocim
como se fosse de aço
mas cheia de cansaço...


Oito horas a prumo
aprumo o passo e passo
afogando o cansaço
nesse grande abraço
do mês de janeiro


Claude Bloc