terça-feira, 8 de novembro de 2011

VELHAS TINTAS


- Claude Bloc -



Meus momentos
São tantos
São muitos 
São infinitos "vai-e-vem" 
que me conduzem 
à velha casa
em que cresci...
 


 

Guardo em mim
fotos que tenho na memória
ranhuras de um tempo
em seu delicioso deslizar... 
E ainda consigo sentir 
o cheiro das velhas tintas
no ensejo dos novos tempos.
 


 

E vez por outra,
de vez em quando,
ouço velhas histórias
que o tempo traz de volta
na velha casa em que cresci.


 Claude Bloc

sexta-feira, 1 de julho de 2011

São João dormiu?


 São João chegou e passeou pelo terreiro. Olhou pra fogueira e sorriu: "por onde andei o ano inteiro?" Pensou e pensou, sorrindo: "bem que dizem as pessoas - São João dormiu, São Pedro acordou"...

E bem acordado deu a volta ao redor da fogueira e olhou para aquele fogo incendiando as lembranças mais antigas. Faíscas brilharam mais fortemente quando ele se curvou e puxou um pedaço daquela lenha incandescente. Lembrou-se de quando era festejado lá na Serra Verde, das latadas cobertas de palha de coqueiro, do chão batido e molhado para dominuir a poeira, das fogueiras bem altas, dos bolos de Mãe Cãida, da sanfona afinada de Chico Jucá, brigando com o violão e o pandeiro de Cícero... Das brincadeiras de "pau de sebo", "corrida de saco", "passa anel", "mala" e os "contratos" de padrinhos, primos, compadres... à beira da fogueira:

"São João disse
São Pedro confirmou
Que você fosse meu compadre
Que São João mandou."

Ah, Seu Hubert. Ah, Dona Janine... Onde andam Manuel Dantas, Mãe Mina, Chiquim, Pedim, Zefinha? Cadê Cãida, Naninha, Joaquim Carlos, Seu Antonio Coelho e a dança das facas?
Cadê o povo da Serra Verde, minha gente?

E São João passou a mão nos cabelos ondulados, fechou os olhos e percebeu que naquela noite estava em um terreiro diferente, em uma casa diferente. Aquela gente era quase a mesma, mas muitos haviam partido lá pras nuvens para assistir a festa lá de cima. 

Nessa noite São João não dormiu. São Pedro foi chegando devagar, trazendo de volta a alegria pra festa. A música pipocou no ar junto com as gargalhadas, os traques, os pichites, as bombas, as chuvinhas, os fogos...

O vento frio se enroscou na fogueira e as estrelas se acenderam pra alegrar a gente.

E tome dança, quadrilha e brincadeira.
E tome graça, animação e fogueira.

Depois da festa, o dia já clareando, São João abraçou cada um. Beijou de mansinho as crianças e adormeceu...

Claude Bloc

terça-feira, 14 de junho de 2011

Reprisando...


Sou de Crato____________________________

Já pensei muitas vezes em escrever sobre o Crato, e, maiormente, sobre esse (in)explicável sentimento que todos os cratenses têm pela sua terra. Esse sentimento exacerbado e efervescente que jamais vi em outra, das tantas cidades que conheci…
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Não sei bem como explicar, mas creio ser um sentir (in)exato, de tão forte, de tão absoluto que se manifesta. Na minha vida errante pelo sul, pelas tórridas ruas de Sobral, pelas ensolaradas praias de Fortaleza, por todos os mais diversos (re)cantos, insalubres ou não, por onde andei, nunca, jamais, encontrei no olhar de toda essa gente que povoou, de alguma forma, meus momentos, o calor intrínseco e “ruidoso” que alimenta a alma de um cratense. … E fala-se da terrinha com orgulho, com um garbo majestoso de quem renasce a cada sorriso, diante da lembrança contundente dessa terra querida, desse quinhão afetivamente incrustado na alma. 
Somos, então, todos cúmplices nessa história que escrevo emocionada. E hoje, olho para mim, imersa nessa amálgama, comunicando-me com o universo com um sotaque específico e claro: “sou de Crato e estou morrendo de saudade”… Como todos os que amam minha cidade, orgulho-me de ter crescido por entre essas pessoas todas que hoje ilustram minha memória em tantas linhas da minha prosa. 
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O Crato para mim não é um lugar remoto. Nunca deixei de visitá-lo mesmo em minhas incursões por outras terras. Nunca me senti estrangeira olhando de longe essa saudade inesgotável. As ruas, as pessoas, a vida do/no Crato passeiam em minhas veias a cada alvor do dia, porque nunca deixei de amar a terra, a serra e essa linguagem própria e estranhamente inusitada. 
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Por todos os meus poros vou além deste amor intransitivo, num reconhecimento mútuo que (de)codifico em meus refúgios mentais. O Crato é meu espelho e meu norte.
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 É lá onde me posto neste sutil encantamento em que as melodias do meu estro se deixam quedar absolutamente (in)confessáveis. Sou de Crato… e me utilizo dessa luz insuspeita que me acalenta, para adormecer as coisas, para registrar o abandono a que me impus em outras terras. 
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Perco-me de mim, mas (re)visito-me no Crato. Sufoco-me na emoção de um novo encontro… Viceja em mim a sinfonia única e transparente do passado e os acordes mais dolentes que solfejo em carne viva… Renasço a cada gesto lasso e impaciente De volta, transcendo num limbo florescente e belo: meu Crato!

Claude Bloc

Eu te amo tanto - Roberto Carlos -2006

 Nem todos têm coragem de dizer que amam:


terça-feira, 18 de janeiro de 2011

O resto não importa
- Claude Bloc -
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As palavras escorregavam serenas e naturais. Voltei àquela casa e era como se eu a conhecesse há muito tempo - ou como se ela me conhecesse há mais tempo ainda. E nos conhecíamos de fato. Éramos quase um só corpo e matéria. Uma simbiose fundindo-se no tempo. Deve ter sido por isso que deixei que as horas se encostassem à margem do relógio. Fui ficando.  Não podia esquecer o motivo de ter ido lá. Eu, que tanto ansiava por aquele pedaço de tempo estendido ao longo dos anos, acenei para mim mesma e pensei:  vamos!
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Senti-me em casa novamente. Observei os pequenos trejeitos das pessoas me acolhendo, as pequenas imperfeições nas paredes toscas, percebi quase todas as minhas hesitações e o sentido dos olhares amigos e afáveis que velavam minha presença ali. 
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Eu tinha razão: o espaço estava envelhecido e de repente me pareceu demasiadamente abandonado para receber minha música, minha presença que deveria ser tão envolvente quanto a emoção que eu sentia. O chão de taco, a cortina que não abria mais, as letras lá no alto: FrançAlegre, tudo parecia olhar-me com uma grande saudade. Como se eu ou aquela música que íamos ouvir – aquele estilo de vida que hoje eu transportava – fosse uma espécie de profanação de um local onde a vida fora tão exuberante e plena. E eu me postava tão séria, naquele momento. Tão consciente que me doíam as têmporas. Como se o coração pulasse dentro de mim sem trégua e eu deixasse vazar minha emoção por todo o ambiente.
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Encostei-me para trás e pousei as mãos no parapeito, naquela posição de espera tão tipicamente minha, embaralhando os sonhos pela bainha da chapada. Da janela. avistei o alto da serra, altiva em seus tons celestes. O azul se espalhou pelo recinto. Mas tudo já entrava em palco. A cena. O cenário.
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O resto não importa. Voltei!

Claude Bloc