terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Marcas na alma - Por: Claude Bloc


Amanhecera chovendo. Em meio à penumbra, ela se deixara ficar por entre os lençóis amarfanhados, dormitando algum pensamento breve... Não conseguia livrar-se daquela sensação de vazio, mas não lhe pesava nenhum ressentimento. Espreguiçou-se tentando espantar a inércia e o ligeiro mal-estar que prenunciava um resfriado... Tinha que reagir!

O telefone desatou a tocar, àquela hora, com insistência, machucando o silêncio matinal. Davam-lhe conta de que não seria mais necessário se preocupar com aquela ausência. Era difícil naquele momento desvendar os meandros da alma humana e havia-se habituado a colecionar saudades...

Na noite anterior, ela voltara para casa sentindo-se esvaziada daquele sentimento dolorido... Era como se a chuva, uma enchente, sabe-se lá o que, tivesse invadido o local na sua ausência devastando tudo.

Abriu a porta e, por alguns segundos, ficou ali parada. Lançou um olhar por sobre os óculos. Estava tudo vazio. Sentia-se ali um pássaro solitário, mudo na gaiola. A sala agora era um mundo incolor, estranho, embora todos os cheiros peculiares e familiares permanecessem lá impregnados.

Atravessou a sala sem mais olhar para nada. Entrou em seu quarto. Não ouvia seus próprios passos. Uma nesga de luz se esgueirava por entre os vãos da porta entreaberta permitindo-lhe entrever a desordem que havia ali... Aquilo não era, afinal, a imagem do que ela sentia dentro de si? – Não tenho mais o que fazer aqui – ainda ouvia como um eco a ressoar pela memória.

Deu mais um passo. O tapete estava recoberto de pedacinhos de fotos rasgadas – os fragmentos de sua vida. Somente restos de lembranças... marcas na alma.

Ainda não se havia acostumado a tanto silêncio, à ausência de passos ressoando pelo assoalho de tábuas corridas em seu despertar. Doía-lhe também o vazio daquele olhar, o beijo em seus olhos adormecidos.

Tentou encontrar dentro de si uma resposta para tanto desarranjo, mas sabia que quanto mais tentasse mais retrocederia a um estágio ao qual não pretendia retornar...

Mais dois passos em direção à estante. Sua mão tocava o móvel muito de leve. Um carinho, uma busca... O que tentava encontrar? Com o dedo indicador rabiscou um nome a esmo... Encontrava-se em um estado quase hipnótico, como se percorresse ali com aquele gesto um tempo diferente preso naquele momento.

Sentou-se à beira da cama. Descalçou os sapatos. Massageou os dedos dos pés reconfortando-se distraidamente. – Não vê que está cansada, menina? – perguntava para si mesma. Sem mais pensar, recostou-se nos travesseiros e adormeceu.

O primeiro sono foi sem sonhos. Aquele sono ao qual a gente se entrega para se esquecer de tudo. Depois se acordou várias vezes com uma certa inquietação, mas o alarme cessara.

E então, acordava-se na manhã seguinte sentindo-se ainda cheia de incertezas. Teria que conviver consigo mesma.

A porta do quarto de repente se abre sem aviso. Ele entra com os ombros curvados. – Você não sonha mais? – pergunta sem esperar pela resposta. Ela vira-lhe as costas. Não consegue falar. O sonho então se esvai aos poucos esperando que ela o chame de volta... – Um dia desses, quem sabe? – ela balbucia. - Quando a esperança voltar.

Texto de Claude Bloc

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