sexta-feira, 12 de junho de 2009

A Metáfora


Sábado chuvoso. Não saberia dizer adeus de novo. Os traços postos no papel repetiam seus gestos impacientes. Mais uma vez um monólogo com aquele tempo preso pelos recantos da casa. De fato gritava em seu silêncio. A palavra lhe vinha primitiva e limpa percorrendo-lhe a memória, ventando através da garganta. Sua fragilidade no momento desalinhava os traços precisos de sua boca. Precisava conciliar as idéias em sua mente.
Levantou-se se espreguiçando. Afastou-se dali por alguns segundos, reteve o passo e voltou-se mirando o centro dos olhos naquela foto. Contemplou por alguns instantes a emoção ali retida naquela expressão que parecia perscrutá-la. Jamais deixaria de lamentar aqueles falsos adeuses que não passavam de súplica por permanência. Era seu jeito de falar sobre a eternidade do que sentia.
Estava ali a foto. Estranhamente não imaginou deparar-se com ela depois de tanto tempo. Sentou-se à beira da cama. Revirou a gaveta cumprimentando cada foto ali guardada. Queria manter-se à distância da emoção, porém nada parecia ter-se alterado naquele lugar. Os folhetos pardos, tocos de lápis, anotações da avó. Tudo ali perpetuado remexendo com suas lembranças.
Em vão, procurou a mão invisível do tempo nos quatro cantos do quarto. Ela mesma, ainda a menina inadequada de antes. Só então percebeu que usava um vestidinho amarelo. Parecia ter-se vestido para um encontro com ele. Com aquele olhar retratado na foto.
Se permanecesse ali, imóvel e ausente. Se apenas não se movesse nem se fizesse notar... Mas era evidente o quanto estava viva. No fundo de seus pensamentos estava viva embora estranha a tudo ali, sobretudo a si mesma.
Sentou-se na cama. Apalpou a maciez do lençol buscando através do tato tornar o momento mais concreto. Instintivamente tomou ao colo o velho violão abandonado num canto do armário. As cordas estavam quase rotas, mas o som suave das poucas notas que dedilhava, pareciam-lhe um hino. Hino aos seus dias felizes. Hino ao seu sorriso triste do momento. Não sofria. Era delicada a sensação de saudade que sentia de cada pedacinho daquele ambiente.Mas nada tão forte como a veemência das palavras que escrevia.
Sentiu-se de repente um pássaro preso, atônito diante das intempéries por que passara até chegar a esse limiar de paz e sossego. Largou o violão. Tomou de volta um toco de lápis e sua agenda. Escrevia. Suas letras tortuosas passeavam por sobre a folha em branco lembrando as curvas da estada por onde andara até chegar ali. Curvas sem história, sem nada. Escrevia compulsivamente. Dava forma e cor aos olhos graúdos do seu personagem. Tudo tinha essência e brilho ali. Esses olhos deveriam ser enigmáticos, deveriam sugerir um mundo inteiro de mistério sem mergulhar no vazio do tempo. As lembranças, essas sim deveriam ser soberanas e conclusivas.
Suspendeu a escrita. Era difícil estar ali sem relembrar fatos, pessoas e aquele olhar grudado nos seus sentidos. Levantou-se num ímpeto. Mediu seus passos com os olhos enquanto se dirigia para o terraço. Seus passos eram curtos e obtusos como sua mente naquele momento.
Sentou-se no velho tamborete perto do parapeito. A silhueta da serra se delineava entre as copas das árvores, quase tocável, apesar da distância. Seu olhar se perdeu no vale e nas cores pardacentas do dia que declinava. Seu silêncio consumia as encostas da serra e a melancolia da tarde. Estava ali o olhar. A metáfora de sua vida.
Texto e foto por Claude Bloc

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