terça-feira, 2 de junho de 2009

Só há poesia...


... Ei, tristeza,não sei quem te chamou. Portanto, te peço, arreda o pé, vai embora... Já te releguei ao passado e não quero mais cruzar o teu caminho!
... Pois é, dona tristeza, visitei lugares de minha infância lá pelas bandas do Crato e vi que a velha casa onde morei quando criança ainda estava incólume, austera, mas entristecida e abandonada.
... Eu mesma a larguei por tanto tempo que nem suportava mais toda a saudade acumulada em meus guardados. Percebi, também nessa visita, que, depois desse degredo, já não existem mais os pés de cajarana que reguei, nem as duas goiabeiras em cuja sombra me assentei, a cobiçar os frutos nos galhos mais altos...
... Só sei que cheguei lá devagarzinho e fiquei ali, diante dessas ausências sem perceber com clareza que estar com você, tristeza, é o mesmo que estar diante de um espaço vazio. Saber que, cedo ou tarde, tudo o que está presente ficará ausente. É isso!
... Você é traiçoeira e se expande... e vai testemunhando esse mistério da despedida gravado em nossa própria carne. Essas lembranças que vamos carregando e esse ar de despedida colocado em tudo o que fazemos e deixamos pra trás...
... Você, tristeza, é essa ausência que demora, ausência que devora: o espaço entre o belo e o efêmero de onde nasce a poesia. E assim, nessa amálgama os poetas vão colocando suas palavras sobre o vazio. Não um vazio qualquer, mas um vazio que é um "pedaço arrancado de mim”. Um exercício de saudade; de tornar de novo presente, um passado que já se foi.
... Então penso em Drummond que afirmava não lastimar o espaço vazio no seu texto “Ausência": "por muito tempo achei que ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje não o lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba de mim..."
... Portanto, dona tristeza, procure outras paragens, pois no vazio de minhas noites só há poesia...
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Texto e foto por Claude Bloc

Um comentário:

Magna Santos disse...

Nossa, Claude. Que lindo! Que profundo!
Essa "ausência assimilada" que demora para muitos de nós, chama-se maturidade. Não a maturidade dada pelos anos, mas pelo que fazemos com os anos dados a nós por Deus.
Um dia não lastimarei mais, nem sofrerei saudades, serei, quem sabe, igual a um ser com asas pousando em uma mão amiga e assistindo à aridez da paisagem, sabendo, entretanto, passear por outros horizontes.
Um abraço.
Magna