........ A chuva de hoje proporcionou-me um curioso diálogo com o tempo. Lembrei-me da Rua Irineu Pinheiro nos muitos invernos que atravessei no Crato. Manhãs caudalosas. A rua inundada de uma ponta a outra, até as calçadas, causando transtorno aos incautos estudantes matutinos. Nem as famigeradas galochas eram suficientes para conter a “fúria” das águas que desciam levando as pedras rua abaixo. Nem os sapatos “colegiais” impediam a alegria dos meninos que saiam em revoada de suas casas para a escola. Risos, risadas, gente encharcada, lama, choro... e muitas vezes o retorno de um ou outro, vítima da “guerra fria” da água barrenta........... Difícil esquecer também os dias infindáveis de brincadeiras pelas ruas, onde, depois da chuva, filetes de água, refletindo o céu nublado, acompanhavam o meio-fio, dobrando na esquina, em busca do Rio das Piabas...
........ A chuva apascentava os ânimos. As brincadeiras eram infinitamente alegres e provocavam a criatividade. Diques e açudes assoreavam as ruas e invadiam a passagem dos carros. Eu era mera personagem dessa história de chuvas? Descia pela rua pisoteando a água, remexendo os sonhos de algum príncipe escondido n’algum “castelo”. Menino que simplesmente me assistia passivamente passeando pela chuva, chacoalhando a água com os pés, espargindo sonhos por aí...
........ Foi assim, nesse diálogo com a chuva que comecei a escrever. Tentava nas palavras encontrar o cheiro da terra e os sons das águas lavando e levando as pedras do calçamento. A verdade era para mim como essa chuva. Procurava me encontrar em meio a esse rio de palavras todas que escorriam pela rua desfarelando os sonhos pela enxurrada. A chuva naquele tempo era também a expressão dissimulada do meu pensamento. Eu, mera criança, apreendia o mundo como se eu fora extraterrestre. Tinha dificuldade de escrever. As águas lavavam-me as idéias. Meus textos eram híbridos e insípidos...
........ Hoje, porém, a chuva e eu podemos andar de mãos dadas...
Por Claude Bloc




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